Natália Sukhodólskaya
A filosofia portuguesa não é tão conhecida na Rússia como o merece. Um importante motivo é ausência de traduções russas de obras até dos mais destacados representantes do pensamento filosófico português. Filósofos russos desconhecem os nomes de Sampaio Bruno, Leonardo Coimbra, Vieira de Almeida, embora na filosofia, na cultura e na religião dos povos russo e português existissem profundas e consideráveis semelhanças. A isso em Portugal foram mais atentos.
O Professor da Academia das Ciências de Lisboa António Braz Teixeira frisou na sua intervenção “Características gerais do pensamento português e russo (1874-1936)” na Conferência em St. Petersburgo em fins de maio de 2003, que pela primeira vez a semelhança de muitas características da Rússia e de Portugal foram assinaladas por António Quadros (1923 - 1993) na sua obra “A Viagem à Rússia” (1963), publicada depois da visita a Moscovo e a St. Petersburgo. Passados dois anos, saiu o seu novo livro “A Imaginação e o Espírito”, que incluiu um grande artigo sobre um facto indiscutível e assombroso da proximidade espiritual dos povos russo e português que ocupam pontas opostas da Europa. O autor assinala a semelhaça de um carácter lírico e romântico das obras de Púchkin (1799-1837) e de Almeida Garrett (1799-1854), acentua o espírito do Renascimento romântico que predeterminou uma grande parecença das obras de Raul Brandão (1867-1930), Nicoláu Gógol (1809-1852) e Fiódor Dostoyévski (1821-1881), de teurgias de Vladímir Solovióv (1853-1900) e Sampaio Bruno (1857-1915), bem como dos sistemas filosóficos de Nicoláu Berdiáyev e Leonardo Coimbra (1883-1936). A. Quadros menciona filósofos Vieira de Almeida (1888-1962), Dionísio Sant’Anne e José Marinho (1904-1975) que reconheciam a importância da filosofia de Lev Chestóv (1866-1938). Ele traça paralelos entre a teoria moralista de Agostinho da Silva (1906-1994) e a ideia de Sofia de Sergéi Bulgákov (1871-1944).
Porém, em relação à Rússia, um período anterior goza de uma atenção especial dos filósofos portugueses. Muitos historiadores e filósofos, bem como os que se interessam pela história da Rússia, conhecem de nome um médico da Imperatriz Catarina II, um português Ribeiro Sanches. Mas poucos sabem que António Nunes Ribeiro Sanches não foi apenas médico, mas um cosmopolita, intelectual, pedagogo, uma conhecida personalidade pública da época do Iluminismo do século XVIII, tanto na sua pátria, como na Rússia e na França. Ao abandonar Portugal em 1726 ele continuava a descrever a vida dele, a reforma da sociedade, a nova avaliação do lugar do homem na luz das ideias de Iluminismo.
As realidades históricas, sociais e políticas da Rússia e Portugal são diferentes, mas Ribeiro Sanches sendo folósofo-reformador examinava ambos os países através do prisma do vector comum do desenvolvimento e da identidade dos seus problemas, i. e. escravidão (servidão), atentados da igreja contra o poder do Estado, crise da educação, compreensão comum da essência da natureza humana, direitos humanos e liberdade do homem no país.
Segundo o Dr. da filosofia A. Teixeira, nas últimas décadas do século XIX as actividades filosóficas de Portugal e da Rússia desenvolviam-se em torno de dois núcleos principais. Primeiro, realizavam-se discussões sobre as vias do desenvolvimento da Europa, e o problema mais grave da discussão foi a questão das direcções de mudanças. O segundo núcleo foi a problemática puramente filosófica, i. e. existência do Deus, a origem do Mal, relações entre a razão e a crença, crítica do positivismo e materialismo científico, questões da edificação da sociedade, destinos históricos e tarefas dos povos.
Na Rússia as discussões sobre os destinos da Pátria desenvolviam-se como a luta de críticos e defensores da “Ideia russa”, ocidentalistas e eslavófilos. Em Portugal, como se revelou nos meados dos anos 60 do século XIX, as personalidades mais destacadas da geração alimentaram-se com ideias do Iluminismo, positivismo, naturalismo e socialismo prudonista, e na base desta miscelânea edificaram uma plataforma do movimento republicano. Os partidários da europeização, como Ântero de Quental (1845-1894), Oliveira Martinez (1845-1894) e António Sérgio (1883-1969), julgavam que Portugal dos meados do século XVII estava em decadência cujas consequências destruidoras foram a intolerância religiosa após o Concílio de Trento, persigição da Inquisição e actividades da Ordem dos Jesuítas, absolutisno político, expansão colonial e escravidão correspondente.
Sampaio Bruno, Guerra Junqueiro (1850-1923), António Nobre (1867-1900), Teixeira de Pacoais (1877-1952), Fernando Pessoa (1888-1935), Jaime Cortesão (1884-1960) e António Sardinha (1887-1925), representantes da corrente contrária acusavam os europeistas em infundada percepção pessimista do passado de Portugal. A sua filosofia da história baseava-se em uma avaliação mais equilibrada da personalidade de um português, das particularidades do seu catácter, da religiosidade e pensamento. Eles prestavam uma atenção especial à essência lírica e nostágica do povo português, à compreenção e adopção do cristianismo, ao significado da religiosidade na cultura popular. Tanto como eurasistas rossianos eles procuravam responder à pergunta “Quem somos?” para depois responder à outra “O que fazer?”
Os intelectuais portugueses tomavam em concideração não apenas o passado do seu país, mas estudavam activamente a experiência reformadora e culturas dos outros países, da Rússia em particular. Multiplos paralelos traçados por eles testemunham disto.
Em 1893 Sampaio Bruno em “Notas do Exílio” assinalou que a “chegada dos eslavos à civilização, a sua participação na gestão dos interesses comuns” foi “uma realização histórica destacada do século”. Ele colocava para si uma pergunta sobre a importância do fenômeno: “O que é que eles trarão consigo? O que é que eles dirão?” Na opinhão dele, a Rússia deveria comunicar à humanidade uma palavra especial em relação àquilo que ela queria realizar na história da humanidade, em relação ao sentido da sua existência na história da humanidade. Encontramos uma opinião comum junto a Sampaio Bruno e Vladímir Solovióv para com os problemas da esfera dos estudos da filosofia social: O que é que é homem e qual é a sua missão no Universo? Qual é a causa do mal?
Na “Ideia do Deus” Sampaio Bruno escrevia que o homem dirigindo-se pelo moral cósmico e verdade deveria contribuir para a evolução da natureza e libertar-se a si próprio, libertando outros seres através do seu renascimento espiritual. Aqui está claramente traçada a ideia do messianismo universal. Atravez da adoptação da ética em escala do Universo, da ética do amor humano ao nível cósmico será efectuada a espiritualização de todo o indivíduo. Na realização desta ideia, no renscimento e espiritualização da matéria no mundo natural consiste a tarefa individual de cada homem.
Nas obras dos filósofos russo e português o problema do surgimento do Mal está intimamente ligado ao problema da determinação da essência da actividade humana no Universo. Segundo S. Bruno o Mal tem o início em Deus. Mas não é o Deus que é a sua causa. Existe um mistério que oculta a causa da queda divina, da cisma que causou a diminuição do Deus e a separação do Universo dele. A queda em Mal é o início do Mundo, a causa da depreciação do poderio do Deus. De uma certa forma, o Deus foi enganado. No fim dos tempos Ele recuperará a sua grandiosidade e plenitude por meio de absorbsão de toda a variedade do Universo. E triunfará o Bem que conforme S. Bruno se apresentava como um Mal Menor.
Os pensamentos dos cientistas russos Konstantín Ciolcóvski (1857-1935) e Vladímir Vernádski (1863-1945) fazem eco à ideia de S. Bruno. Apésar de que a ciência foi a causa principal da vida de K. Ciolcóvski, ele criou uma original “filosofia cósmica” cheia de ideias teosofo-místicas. Uma fonte de todas as transformações no Mundo não é a Personalidade com a infinidade do seu desenvolvimento criativo interno, mas, sim, o próprio Universo em geral. Ele é a base de todos os processos de vida. O cósmo para K. Ciolkóvski é a encarnação de “uma realidade divina” superior. Nele reina a razão superior, a alegria e a beatude, porém alcançadas em um esforço criativo tranformador dos seres racionais. A mais avançada na “filosofia cósmica” de K. Ciolkóvski foi a ideia de que o desenvolvimento do mundo e do homem segue na linha ascendente, a razão e as forças humanas tornam-se uma arma racional do progresso. O afastamento dos seres do seio materno do seu Planeta e a saída ao Cosmo, o meio do seu ser biológico e social, e da sua criatividade; a exploração do espaço cósmico e a sua transformação é um aspecto inevitável no desenvolvimento da civilização. Ciolkóvski une a própria causa “teleológica” do cosmo ao surgimento nele dos seres racionais. “Que sentido teria o Universo se não for cheio de um mundo orgânico, racional, sensível?” Ciolkóvski julgava, bem como Solovióv e Bruno, que o amor é o princípio básico do ser transfigurado da humanidade, da construção de uma nova ética. Conforme o nível ético o homem racional- ou irracionalmente muda o semblante do Planeta - a bioesfera. Tanto como Ciolkóvski, Vernádski também apoiava “o universalismo” e a existência de uma vida universal e a evolução em consequência da transformação da matéria viva. A diferença consistia em que Vernádski foi orientado ao estudo da matéria viva nos limites da bioesfera da Terra, pois para ele a conquista do cosmo pelos seres vivos era de um futuro distante, enquanto o génio de Ciolkóvski foi capaz de imaginar e fundamentar, e começar a implementar os projetos mais incríveis em um futuro próximo, esquecendo-se dos proplemas dos habitantes da Terra. Enquanto “a Humanidade como uma substância viva estava ligada indisoluvelmente pelos processos enérgico-materiais a uma determinada capa geológica da Terra, i.e. à sua bioesfera. Ela fisicamente não podia ser independente nem por um instante” (“Cosmismo russo”, p. 305, M., 1993). Lembremo-nos de uma ideia notável de Vernádski da nooesfera e da participação do homem na sua formação criativa intelectual. Encontramos um mundo criado pela umanidade, cocriadora da Cósmo, e não por Deus.
Muitas semelhanças encontramos em concepções do criacionismo que Nicoláu Berdiáyev e Leonardo Coímbra desenvolviam do início da segunda metade do século XX. Primeiro, ambos pensam que a liberdade é um elemento essencial da filosofia e o que a distingue da ciência em que reina a necessidade. A essência do criacianismo é a liberdade e actividade artística. Para o filósofo português a própria realidade é o produto do pensamento. A liberdade é um acto criador que é espiritual, divinohumano. A liberdade não foi criada. Ela contem as fontes da Criação e do Mal. Ela é o mérito superior, mas ao mesmo tempo leva em si a possibilidade do Mal. Liberdade é um mistério. Filosofia que é o entendimento da consciência do valor e da importância do Mundo e da Realidade, descende de um acto criador livre, da Criação. A Verdade também é um produto da actividade livre do espírito.
A conincidência encontra-se também na sua compreenção da razão que dirige o ser do Universo. Berdiáyeiv acha que uma razão universal, ecuménica - Lógos - desempenha esta funcção, mas Coímbra julga que é uma razão cósmica, infinita, activa, revelada na harmonia com Universo em que reina o amor. É importante o papel do homem na conquista desta harmonia. O próprio Deus é solidário com seres livres e observa as suas actividades e a luta contra as forças do Mal, pensa Coímbra. Ele escreve: “...o Mal existe, sim, é a essência moral do homem. O Mal existe, sim, (...) porque o Universo é a comunidade das almas que não se conhecem e que buscam uma à outra. Mas se o Mal exista, o horizonte decoberto pelo Bom é inabarcável.” O Mal é uma distãncia que se diminui, como todos os corpúsculos do Universo movimentam-se em direcção da altura divina do amor univesal puro.
A causa íntima, a orientação religiosa e social do pensamento são os factores, que, ao meu ver, aproximam a filosofia da Rússia e de Portugal mais de tudo. Está claro que esta aproximação não abrange todos os limiares do pensamento filosófico, pois as nossas culturas são muito diferentes, por isso frequentemente as acentuações dos problemas da filosofia e o destino das concepções filosóficas dos cientistas russos e portugueses são diferentes. Por exemplo, se na Rússia a discussão entre os eslavófilos e ocidentalistas frequentemente tinha a significação religiosa e político-social, em Portugal, o diálogo de representantes de opinhões contrárias realizava-se antes de tudo no plano cultural e histórico. Mesmo por isso, neste artigo, na observação da semelhança de tradições filosóficas russas e portuguesas foi brevemente descrito um período que começou no último quarto do século XIX e terminou nos anos 40 do século XX, i. e. um período em que a semelhança tornou-se a mais evidente. |