Alexandre Barreto Santos
Silvia Maria Fattori
Luis Guilherme G.Marcondes
Pontifícia Universidade Católica de Campinas A privatização faz parte de uma reforma do Estado. Esse aspecto da reforma do setor público consiste em retirar do Estado atividades que, a rigor, não se traduzem em nenhum ganho de bens públicos para os cidadãos. Principalmente na segunda metade do século XX, torno-se hegemônico o modelo de Estado-empresa. Enquanto, passou ele a absorver “determinadas atividades que se tornaram focos de privilégios subsidiados para grupos privados e de benesses corporativas para funcionários de empresas públicas. Assim, as vantagens, que em tese se destinavam a todas as pessoas, foram apropriadas privadamente por esses dois segmentos privilegiados. Por isso o Estado precisa ser reformado também para a esfera das empresas estatais. E a reforma deve ser feita com muito critério e muita responsabilidade pública. Hoje, o pensamento hegemônico não é mais o modelo de Estado-empresa, mas o de Estado-serviço, com capacidade regulatória. A decisão de privatizar ou não privatizar não deve pautar-se por critérios ideológicos, mas levar em conta, isto sim, as vantagens e desvantagens que proporciona a sociedade. Privatização ou desativação consiste na venda de empresas estatais – de propriedade da União, dos estados ou dos municípios – à iniciativa privada. Os principais objetivos dessa decisão são: arrecadar recursos com a venda de patrimônio; reduzir o tamanho do Estado, retirando-o da atividade produtiva direta, ou diminuindo sua presença nela e em setores da infra-estrutura econômica; diminuir a divida pública interna; reduzir o déficit público; levar o Estado a concentrar sua capacidade administrativas e seus recursos nas funções básicas de sua competência, tais como saúde, educação, segurança, justiça, saneamento básico, cultura ciência e tecnologia, infra-estrutura básica etc.; livrar o Estado de gastos para cobertura de frequentes prejuízos das empresas estatais e, também, do peso do seu corpo funcional e das vantagens corporativas (“abusivas”) por ele adquiridas; aumentar a arrecadação tributária, através do pagamento de impostos pelas empresas privatizadas; alavancar a expansão dos setores básicos para o desenvolvimento do país e tornar possível e mais rápida a modernização e o aumento da eficiência e da competitividade das empresas privatizadas, através da injeção de capital privado e tecnologia, uma vez que o Estado não possui disponibilidade financeira para grandes investimentos nessas áreas. Um aspecto (polêmico) de ordem política também pesa nessa orientação. Nas décadas de 1950/60/70 – em plena Guerra Fria, fortalecimento dos estados nacionais e existência de dois blocos político-ideológico-militares rivais -, algumas áreas, como petróleo e telecomunicações, eram consideradas estratégicas para segurança nacional e foram declaradas monopólio estatal e exploradas por empresas estatais. Agora, no mundo pós-Guerra Fria e em processo de globalização e abertura de mercados, a concepção estratégica dessas áreas tende a diminuir de peso. Cada vez mais, passa-se a considerar que o poder estratégico de um país depende hoje, principalmente, do estoque global de conhecimento (e de sua circulação, seu dinamismo e sua capacidade de renovação);da eficiência das empresas; da população altamente educada e saudável; da existência de recursos humanos qualificados; da capacidade de poupança interna e disponibilidade de capitais; do volume de reservas cambiais (sobretudo quando ainda em processo de estabilização econômica). O processo de privatização de empresas estatais tomou impulso no governo Collor, com a criação do Programa Nacional de Desestatização (PND), em 1991, e teve continuidade nos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, podendo estender-se por mais de duas décadas. No governo FHC o PND foi reformulado. A principal mudança foi a exigência de dinheiro vivo nos negócios. A partir de 1996, o processo de desestatização passou a alcançar também empresas estatais controladas pelos estados e municípios. A estratégia adotada pelo governo brasileiro obedece ao grau de complexidade dos setores a serem privatizados. O processo teve início com a venda de empresas dos setores siderúrgico, petroquímico e de fertilizantes. Deve prosseguir com privatização dos setores elétrico e transporte ferroviário, de rodovias, portos, aeroportos, de mineração (Companhia Vale do Rio Doce) e financeiro (Banco meridional e bancos estaduais), e, também, abertura ao capital privado dos setores de telecomunicações e petrolífero. O governo buscou também acelerar a venda das parcelas de sua participação minoritária em mais de mil empresas, cujas ações estavam concentradas no Banco Central e no BNDES. A desestatização orienta-se por algumas diretrizes básicas. Entre outras: a) em relação às empresas com perspectivas de rentabilidade, vender o controle acionário mas preservar em mãos do Tesouro a parcela das ações preferencias, a fim de que o patrimônio público também se beneficie da valorização da empresa sob gestão privada; b) permitir que o crédito dos trabalhadores em fundos sociais (FGTS e PIS/PAESP, por exemplo) sejam usados como moedas de privatização ; c) garantir a possibilidade de compra de determinado número de ações (até cerca de 10%) pelos trabalhadores da empresa privada, em condições privilegiadas; d) possibilitar a participação do capital estrangeiro nas privatizações; evitar a criação de oligopólios e monopólios em setores de grande concentração de capital – indesejáveis do ponto de vista econômico e social. Quanto às empresas estatais que permanecerem em mãos do governo, deverão Ter tarifas e preços adequados, mas precisam enquadrar-se em critérios de austeridade e realismo orçamentário, passando a ser responsáveis por sua política salarial e eficiência operacional e ajudar seus programas de investimento às prioridades do Governo. Das 74 empresas estatais pertencentes à União, incluídas no Programa Nacional de Desestatização, foram privadas 52,até final de 1996, e dez foram excluídas, por várias razões, inclusive por falta de compradores. Com a venda efetivada o governo arrecadou cerca de US$ 13,62 bilhões, parte em dinheiro e o restante em títulos públicos (Tabela 01), além de transferir dívidas no montante de US$ 4,561 bilhões. Acresce-se, ainda, a venda ou abertura acionária, ocorrida em 1996, de duas empresas estatais estaduais ( a Companhia de Eletricidade do Rio de Janeiro – CERJ e a Companhia Rio-Grandense de Telecomunicações – CRT), no valor de US$ 1,24 bilhões. O avanço do programa de privatizações nos estados inclui, até o final de 1996, a assinatura de convênio ou protocolo de intenções de dezessete governadores com o BNDES, que comanda a desestatização no Brasil. Desses, treze já receberam autorização das respectivas assembléias legislativas para privatizar as empresas estaduais e dez já deram início ao processo. A receita obtida com a venda de estatais federais veio, principalmente de três setores: siderúrgico (US$ 5,562 bilhões ou 40,84%), elétrico (US$ 2,720 bilhões ou 19,97%) e petroquímico (US$ 2,698 bilhões ou 19,81%). De 1991 a 1998, foram privatizadas 63 empresas, que renderam mais de R$ 85 bilhões. Em 1999 foi arrecadado cerca de R$ 27 bilhões com privatizações. Alguns títulos públicos são considerados “moedas podres” porque são de difícil rendimento. Por isso são negociados no mercado com desconto. E, nas privatizações, o governo costuma honrá-los, aceitando-os pelo valor de face. Como o governo gastou muito mais para o pagamento de juros, em função das altas taxas, a dívida pública interna, mesmo com as privatizações, aumentou. A compra de empresas estatais é um bom negócio para os grupos econômicos. Compram empresas em funcionamento e, portanto, com retorno imediato. O preço também é favorável, pois, além de baixo, a maior parte do pagamento é feita com títulos públicos, muitas vezes desvalorizados no mercado. Investimentos novos, destinados a modernizar as empresas, em busca de maior eficiência, produtividade e competitividade, geralmente têm crédito e incentivos. A reestruturação do empreendimento busca imprimir-lhe maior racionalidade através da otimização dos fatores de produção, o que implica, muitas vezes, a redução do número de funcionários. Em 6 de maio de 1997, efetivou-se o maior negócio de privatização, até esta data, no Brasil, com a venda do controle da Companhia Vale do Rio Doce (41,73% das ações ordinárias, sendo 1,7% delas de acionistas minoritários), pelo valor de R$ 3.338.178.240,00 (cerca de R$ 3,2 bilhões para o governo), sendo todo o pagamento à vista e em moeda corrente. Da parte do governo, metade será destinada ao abatimento da dívida interna e a outra metade irá financiar, através do Fundo de Reestruturação Econômica (FRE), projetos de expansão do setor produtivo, projetos de modernização da infra-estrutura econômica e programas de aumento da competitividade industrial. Junto com a empresa, transferiram-se, também, aos novos proprietários, cerca de U$ 4,1 bilhões em dívidas contraídas pela Companhia. A compra foi efetivada pelo Consórcio Brasil, liderado pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e integrado também por fundos de pensão e outros grupos nacionais e internacionais. A partir do segundo semestre de 1997, inicia-se a fase de concessão de serviços: telecomunicações e energia, além da privatização de alguns bancos e de complementar a retirada do estado do setor ferroviário. A privatização de empresas estatais é uma tendência mundial, na atualidade. A Europa Ocidental é o palco principal do processo de desestatização. Iniciado no Reino Unido, no começo dos anos 80, alcançou a cifra de US$ 280 bilhões até o final de 1996. São previstos mais US$ 118 bilhões até o ano 2000, sob o impulso da privatização do setor de telecomunicações. Em 1996, a venda de empresas estatais naquela região representou cerca de 75% do valor total das privatizações ocorridas no mundo. Em segundo lugar, situa-se os países ex-comunistas do Leste Europeu e a China, enquanto os países da América Latina responderam com 2%¨do total. Mas é uma questão delicada e polêmica: o que, por que e em que grau privatizar? Contudo, com maior ou menor velocidade, o processo tende a avançar. A atual fase do programa de privatização, no Brasil, inclui a concessão de serviços públicos, além da venda de estatais do setor produtivo. Trata-se de setores mais complexos, como o de telecomunicações, de energia e outros, em que as concessões demandam estudos acurados e salvaguardas de interesse nacional, regional e social. O acompanhamento e a avaliação dos resultados, o questionamento, o debate público, a ação da imprensa e outras formas de aprofundamento da consciência da sociedade em relação ao assunto contribuirão para maior transparência e equilíbrio do processo. Para ampliar o processo de desestatização, instrumentalização legalmente a política econômica e promover a reforma do Estado, várias alterações à Constituição de 1998 foram aprovadas ou estão em tramitação no Congresso. São as seguintes as principais:
- Gás canalizado – aprovado em 1995, a emenda altera o artigo 25 da Constituição, retirando o monopólio estadual na distribuição de gás e permitindo que empresas particulares explorem a distribuição de gás canalizado;
- Navegação de cabotagem – aprovada em 1995, a emenda modifica o artigo 178, inciso 4º da Constituição, permitindo que navios de bandeira estrangeira façam transporte de mercadorias e passageiros na costa e interior do país;
- Empresa brasileira – aprovada em 1995, a emenda modifica o artigo 171 da Constituição, extinguindo a diferença entre empresa brasileira de capital nacional e empresa brasileira de capital estrangeiro e permitindo que empresas de capital estrangeiro também possam explorar os recursos minerais. Passa a existir apenas o conceito de empresa brasileira, definida como aquela “constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no país”;
- Telecomunicações – aprovada em 1995, modifica o artigo 22, inciso 4º da Constituição, abrindo o monopólio estatal das telecomunicações, mas não previa a privatização da Telebrás (vendida, em 1998, por US$ 22,05 bilhões);
- Petróleo – aprovado em 1995, altera o artigo 177 da Constituição, quebrando o monopólio da Petrobrás e, assim, permitindo que também empresas privadas participem da pesquisa, da exploração, da produção, do refino e do transporte de petróleo no Brasil.
Três outras emendas constitucionas, de profunda repercussão econômica e social, estavam em tramitação no Congresso Nacional, em 1999: Reforma Administrativa, Reforma Tributária e Reforma da Previdência Social. Se acrescentarmos a necessidade de nova legislação sobre a organização e o funcionamento do sistema financeiro; sobre a dívida pública, impondo limites ao endividamento dos estados e municípios; sobre a reforma do Judiciário e do Legislativo e as reformas partidária e eleitoral, teremos o arcabouço legal da Reforma do Estado brasileiro. |